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Teremos nós “fibra” para uma economia circular?

15 jan 2018Notícias

Teremos nós “fibra” para uma economia circular?

Teremos nós “fibra” para uma economia circular?

Artigo de opinião de Inês Costa, Especialista Economia Circular | Adjunta Ministério Ambiente

Em 1972, o MIT publicava um estudo chamado “Os Limites ao Crescimento”, e nele eram apresentados cenários de evolução para cinco indicadores: população mundial, industrialização, poluição, produção de alimentos e uso de recursos. As perspetivas não eram animadoras: entre 2020 e 2030 iríamos assistir a um pico de desenvolvimento seguido de colapso de serviços ambientais e de recursos.

Este modelo foi reavaliado em 1992, 20051 e 20142 , e os cenários mantém-se válidos. Esta década será, por isso, decisiva para garantir uma prosperidade sustentável, e isso depende de decisões (políticas, tecnológicas, produção, comportamento) muitas delas disruptivas em relação ao modelo económico atual. Este modelo linear de “extrai, produz, consome ou acumula (!), recicla (um pouco) e deita fora”, que empurra para ciclos de consumo maiores e mais rápidos, poderia ter sucesso num mundo de 4 mil milhões de pessoas em 1972, mas não o será com 9,7 mil milhões em 20503. “Quem acredita em crescimento exponencial infinito num mundo de recursos finitos ou é louco ou é economista” (K. Boulding, 1910-1993).

Pensar uma economia circular afasta-nos do discurso tradicional do Ambiente, porque torna óbvia a relação entre mais-valias económicas e redução de risco, e a eficiência, produtividade e conservação dos recursos. A premissa é simples: se formos mais eficientes e eficazes com o que já temos, concebendo a pensar na conservação e na regeneração dos materiais mobilizados, e rentabilizando-os várias vezes, não será necessário extrair tanta matéria-prima e teremos menos resíduos, menos emissões e (a cereja no topo do bolo) reduziremos custos, libertando capital financeiro.

 
Quem acredita em crescimento exponencial infinito num mundo de recursos finitos ou é louco ou é economista
 

Pensemos num automóvel. O fabricante permanece o seu detentor e aluga-o, ou disponibiliza soluções de mobilidade partilhada, recebendo pelo uso do automóvel. Não fará tantos automóveis, porque rentabiliza o mesmo produto mais vezes. Mas isso não significa menos emprego: os automóveis terão de ser recolhidos, reparados, as peças terão de ser remanufaturadas, substituídas ou atualizadas, e isso exige emprego especializado. E, no “fim de vida”, os componentes serão extraidos para reutilização e os restantes materiais serão reciclados num novo modelo daquela ou outra marca. A Renault está a apostar nesta estratégia4, e seria uma solução para um parque automóvel parado 90% do tempo. Com estas soluções, quanto espaço poderia ser libertado para áreas de lazer? Ou para uso agrícola? Ou para corredores ecológicos para adaptação às alterações climáticas?

Mas existem outros tipos de “desperdício”: preciso de um berbequim ou de um furo na parede? E a cantina que só é usada 3 horas por dia? E os alimentos que não consumimos? As oportunidades para a partilha, a servitização, a desmaterialização são grandes; pensem-se os materiais e produtos não para a massificação, mas para a reparabilidade, a remanufatura e a reciclagem, para que possam ser renováveis, biodegradáveis, simples: p.e., as fibras naturais, o micélio de cogumelos, o couro vegetal, a cortiça, os bioplásticos (p.e., queratina, caseína).

Portugal tem um metabolismo económico lento, acumulamos recursos na nossa economia (importamos e extraímos mais materiais do que exportamos produto acabado), mas somos pouco eficientes e produtivos no seu uso. Em 2015, gerávamos €1,1 de valor por cada kg de materiais consumidos, quando a média europeia é de €2. Existem diversos fatores associados a este desempenho, mas quando vemos, p.e., que 53% da estrutura de custos na indústria transformadora é atribuída às matérias-primas, ou quando constatamos a nossa dependência energetica do exterior, não há dúvidas de que há espaço para melhorar e ser mais competitivo, integrando princípios de circularidade, de neutralidade carbónica e valorizando o território.

 
a transição para uma economia circular e de baixo carbono terá forçosamente de passar por uma transformação destes sistemas, que, nalguns casos, será radical
 

Tornámo-nos demasiado bons na nossa linearidade, e os nossos sistemas socioeconómicos foram sendo construídos sem ponderar as condições-fronteira do nosso sistema natural. Logo, a transição para uma economia circular e de baixo carbono terá forçosamente de passar por uma transformação destes sistemas, que, nalguns casos, será radical, para que se possam corrigir distorções, sejam elas de mercado, regulamentares, políticas ou comportamentais.

O Plano de Ação para a Economia Circular aprovado em Conselho de Ministros no passado mês de dezembro (RCM n.º 190/2017), contemplando ações nacionais e operações setoriais e regionais é um ponto de partida. Porque não estamos a falar de um setor de atividade, mas sim de uma transformação de paradigma e isso não é algo que se determine por decreto; tem de ser trabalhado no tempo, por todos os agentes. Haja determinação, coragem (fibra!) para o fazermos.

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